quarta-feira, 24 de dezembro de 2008







A Falecida número zero
julho de 1991


Charles Bukowski: Fuderoso e embriagado poeta e escritor norte-americano. Nasceu na Alemanha em 1920 e foi para os Estados Unidos com três anos. Morreu lá mesmo, em 1994. Seus maiores prazeres: beber, trepar, apostar em corridas de cavalos... Poemas, novelas, contos, romances... Angústia, amargura, desencanto, ironia, humor, sexo, bebedeiras, confusões...
Linguagem simples, direta, quase coloquial. A contramão do american-way of life, o antiguru norte-americano. Fragmentos retirados dos livros "Cartas na Rua", "Misto Quente", "Fabulário Geral do Delírio Cotidiano" e de contos publicados em várias revistas.

Texto: José Luís Gomes - Foto: divulgação



"Gostava de ser tomado como um dos meninos maus. Gostava de ser mau. Qualquer um podia ser um bom menino, não precisava de culhões. Não queria ser como meu pai. Ele apenas fingia ser mau. Quando você é mau, você não finge, isso simplesmente está aí. Gostava de ser mau. Tentar ser bom me deixava doente."


Charles Bukowski
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"A paisagem era bonita. Claro. Pinheiros e mais pinheiros, com lagos, e mais pinheiros. Ar puro. Sem trânsito. Morri de tédio. Aquela beleza toda não me dizia nada. Não sou um cara muito simpático, pensei. Eis aí a vida como deveria ser e me sinto como se estivesse na prisão."

Charles Bukowski

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"...sabia que tinha alguma coisa fora do lugar em mim. Eu era uma soma de todos os erros: bebia, era preguiçoso, não tinha um deus, idéias, ideais, nem me preocupava com política. Eu estava ancorado no nada, uma espécie de não-ser. E aceitava isso. Eu estava longe de ser uma pessoa interessante. Não queria ser uma pessoa interessante, dava muito trabalho. Eu queria mesmo um espaço sossegado e obscuro pra viver a minha solidão. Por outro lado, de porre, eu abria o berreiro, pirava, queria tudo e não conseguia nada. Um tipo de comportamento não se casava com o outro. Pouco me importava."

Charles Bukowski
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"Quando ando no meio de outras pessoas não me sinto bem. O que elas falam e o intusiasmo que demonstram nada têm a ver comigo. O mais curioso é que justamente quando estou na companhia delas é que me sinto mais forte. Me vem a idéia seguinte: se podem existir só com esses fragmentos de coisas, então eu também posso. Mas é quando estou sozinho e todas as comparações se reduzem a mim mesmo contra a história, contra o meu fim, contra as paredes, contra a minha própria respiração, que começam a ocorrer coisas estranhas. Sou um sujeito evidentemente fraco. Experimentei ler a bíblia, os filósofos, os poetas, mas para mim, de certo ponto, erraram de alvo. Ficam falando de uma coisa completamente diversa. Por isso há muito tempo desisti de ler. Encontro um pouco de conforto na bebida, no jogo e no sexo, e dessa forma me assemelho bastante a qualquer membro da comunidade, da cidade e do país; a única diferença é que não tenho o menor interesse em "vencer", constituir família, ter casa própria, um emprego respeitável etc e tal. Portanto, lá estava eu: sem ter nada de intelectual, de artista; nem tampouco as raízes redentoras do homem comum. Me sentia dependurado com uma espécie de rótulo indefinido e muito receio, sim, que isso marcasse o início da loucura."

Charles Bukowski
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"Mas, puta que pariu, eu preciso continuar alimentando as minhas neuroses e preconceitos porque é só o que eu tenho pra me defender. Não gosto de drograrias, nem de bares de universidade, de pôneis Shetland, da Disneylândia, de guardas que andam de moto, de iogurte, dos Beatles, do Charlie Chaplin, de persianas e daquela baita mecha de cabelo maníaco-depressiva que cai na testa do Bobby Kennedy..."

Charles Bukowski
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"O que eu queria era uma caverna no Colorado com provisões e bebidas para três meses. Limparia a bunda com areia. Qualquer coisa, qualquer coisa que me fizesse parar de afundar nessa existência tediosa, trivial e covarde."

Charles Bukowski
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"Quando já se está quase sem alma e se tem consciência disso, é porque ainda existe."
Charles Bukowski

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"(As pessoas). Quanto menos as vejo, mais eu gosto delas."

Charles Bukowski
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"Dou duas voltas no quarteirão, encontro 200 pessoas e não vejo nenhuma criatura humana. Olho na vitrine das lojas e não há nada que me interesse. No entanto, tudo tem preço. Uma guitarra, ora, porra, pra que me serve uma coisa dessas? Só se for pra tacar fogo. Toca-discos, tevê, rádio. Tralha inútil. Bugiganga imprestável. Um troço pra embrutecer o cérebro. Como soco com luva vermelha de 200 gramas. Popt. Te derruba no chão."

Charles Bukowski
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"Nada estava em sintonia, nunca. As pessoas vão se agarrando às cegas a tudo que existe: comunismo, comida natural, zen, surf, balé, hipnotismo, encontros grupais, orgias, ciclismo, ervas, catolicismo, halterofilismo, viagens, retiros, vegetarianismo, Índia, pintura, literatura, escultura, música, carros, mochila, ioga, cópula, jogo, bebida, andar por aí, iogurte congelado, Beethoven, Bach, Buda, suicídio, roupas feitas à mão, vôos à jato, Nova Iorque, e aí tudo se evapora, se rompe em pedaços. As pessoas têm que achar o que fazer enquanto esperam a morte. Acho legal ter uma escolha."

Charles Bukowski
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"Para todos, era uma questão de esperar, e nada mais. Esperar, esperar: pelo hospital, pelo médico, pelo encanador, pelo hospício, pela cadeia, até pela morte do papa. O sinal vermelho logo fica verde. Os cidadãos do mundo comiam sua comida e assistiam suas tevês e se preocupavam com seus empregos, ou com a falta de, enquanto esperavam."

Charles Bukowski
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"Todo mundo tinha que se conformar, encontrar um molde e se ajustar nele. Médico, advogado, soldado... não importava o que podia ser. Uma vez no molde você só teria que ir seguindo em frente. Ou você arruma alguma coisa pra fazer ou acaba largado pelas ruas."

Charles Bukowski
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"... continuamos rodando e foi então que percebi que não tinha escapatória. Sempre haveria alguma coisa que precisava ser feita, senão te riscavam do mapa. Era duro reconhecer, mas fiz questão de anotar, perguntando-me se algum dia encontraria um meio de me livrar daquilo."

Charles Bukowski
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"Existem respostas fundamentais e questões delicadas. Nós ainda estamos brincando com as segundas porque não somos suficientemente homens nem suficientemente francos pra dizer o que precisamos."

Charles Bukowski
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"A resposta completamente horrível é que ninguém sabia fazer nada: os poetas, escrever poemas, os mecânicos, consertar carros, os dentistas, arrancar dentes, os barbeiros, cortar cabelo, os cirurgiões se estrepavam todos com o bisturi, as lavanderias deixavam as camisas e os lençois em farrapos e perdiam as meias da gente; o pão e os feijões tinham pedrinhas no meio que quebravam os dentes; jogadores de futebol eram uns poltrões, os funcionários da telefônica estupravam criancinhas; e os prefeitos, governadores, generais, presidentes, tinham tanto juízo quanto as lesmas colhidas por teias de aranha. E por aí vai. Pode dar o que quiser pra raça humana que ela acaba esgravatando, arranhando, vomitando e mijando em cima."

Charles Bukowski
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"Não é o LSD que provoca o bode, foi a tua mãe, o teu presidente, a vizinha do lado, o sorveteiro de mãos sujas, um curso de álgebra e espanhol simultâneos, o fedor de uma latrina em 1926, um sujeito narigudo quando te disseram que todo narigudo é horrendo; foi o purgante, a brigada Abraham Lincoln, os bolinhos açucarados, Mutt & Jeff, a cara de Franklin Delano Roosevelt, os drops de limão, trabalhar numa fábrica dez anos e ser despedido por um atraso de cinco minutos, a megera que te ensinou História da América no 6º ano, o teu cachorro atropelado sem que ninguém depois te explicasse a coisa direito, uma lista de 30 páginas de extensão e três quilômetros de altura."

Charles Bukowski
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"Mas por que será que sempre as crianças levam no rabo? Meio metro de altura, sem profissão, sem passaporte, sem a menor chance. A gente começa a matá-las no mesmo instante em que saem da buceta. E ninguém desiste, até chegar no outro buraco."

Charles Bukowski
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"Podia beber dias seguidos. Eu nunca tive bebida que me bastasse."

Charles Bukowski
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"Me alegrava não estar apaixonado e não estar de bem com o mundo. Gostava de me sentir estranho a tudo. As pessoas apaixonadas, em geral, se tornam impacientes, perigosas. Perdem o senso de perspectiva. Perdem o senso de humor. Ficam nervosas, tornam-se chatas, psicóticas. Podem virar assassinas."

Charles Bukowski
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"...entrei no elevador e subi para ir olhar no berçário. Devia haver uma centena de recém-nascidos ali, atrás daquele vidro, chorando. Sem parar. Esse negócio de nascer. E de morrer. Cada um na sua hora. A gente chega sozinho e vai-se embora do mesmo jeito. E a maioria passa a vida sem ninguém, assustada e sem entender nada. Uma tristeza indizível tomou conta de mim. Vendo todas aquelas vidas que teriam que morrer. Que primeiro se transformariam em ódio, em crime, em nada. Nada na vida e nada na morte."

Charles Bukowski
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"Cuidado com as armadilhas, xará, é o que não falta por aí, dizem até que Deus não escapou quando Ele andou perambulando, certa vez, pela Terra. Claro que hoje a gente não tem mais tanta certeza de que era mesmo Deus, mas seja lá quem fosse, sabia de alguns macetes bem razoáveis, só que pelo jeito falava demais, defeito que qualquer um pode ter, até eu.

Charles Bukowski

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